Quando a tarde veio, dormi um pouco. Ao levantar-me, imersa em reflexões, telefonei à minha irmã, comentei com ela, acerca de aspectos de estudos e interesse nas histórias sagradas e suas entrelinhas, leituras de publicações contemporâneas que abordam histórias de Jesus, Maria, Maria Madalena. Mencionei roteiros sacros interessantes, muito buscados atualmente. E, alguns que têm à frente pessoas comprometidas com a reverência a estes nossos antecedentes que guardaram sabedorias que um dia seriam consideradas milenares, ou que se perderiam no tempo, nas inquisições, nas proibições dos homens e suas interpretações diversas da história crística. Falei de roteiros que contemplam visitas a caminhos, templos, cavernas, capelas, monumentos, lápides, recantos e espaços plenos em significado, força, bênçãos, guardadores de revelações aos porta-vozes irmãos no tempo, para trazer à tona ou inspirar reverência e respeito, como por exemplo, um dos que muito espero conhecer, o Labirinto de Chartres, na França, cujas pétalas e significado têm mudado e fortalecido minha maneira de rezar o Pai Nosso. Labirinto que tatuei no peito, com freqüência mencionado por mim, desde que dele tomei conhecimento, através dos livros da estudiosa Kathleen McGowan (a quem muito admiro), a mim tão bem recomendados, há algum tempo, por outra buscadora, a amiga Heloísa Monteiro.
Diante das inúmeras especulações em torno de muitos destes lugares, histórias que se prendem a detalhes sem importância sagrada, que muitas vezes são as que tomam lugar à mídia com sensacionalismo e espetáculo, sendo em seguida, deixadas de lado e esquecidos pela maioria, continuei minha conversa fraterna, tratando um pouco da riqueza que envolve as mulheres bíblicas que amaram a Deus, assim diria, quase parafraseando o título do livro de Elizabeth George, para designar mulheres de fé e verdades espirituais próprias, que nos denotam emoção e inspiração através de lições práticas de suas vidas, em que, enfrentando desafios de vida, foram levadas às escolhas próprias e talvez, pela fé e intuição que as cercaram, as escolhas certas. Ao lado destas, os discípulos de Jesus - o que para mim, vale lembrar, indubitavelmente inclui Maria Madalena – companheiros, seguidores, respeitáveis, respeitados, responsáveis seres em comunhão com idéias, ideais e conhecimentos do Cristo, num patamar trino, com estas duas vertentes outra mulher sábia se destaca, inigualável, pela característica adicional - mãe, tão incondicionalmente exercida, em caráter eterno de invocações em torno do mundo, muito além do seu tempo, Maria.
No decorrer da conversa, nas múltiplas e quase sempre prolixas (como de costume!), falas com minha interlocutora, ouvi a indagação: “mas você está indo contra o Evangelho?” No silêncio interno que me tomou nos últimos dois dias, quase um retiro (in)voluntário (“in” de propriamente interno mesmo), para que eu pudesse contatar em mim, algo (pretensamente ou não) mais genuíno que o automático e frenético expressar dos dias corridos, com suas manifestações do ego, vaidosas, insensatas, pouco delicadas ou insensíveis, por vezes, fiz um momentâneo silêncio e respondi: “Não. Trata-se exatamente do contrário”. Pouco, depois ao desligar, fortaleci, interiormente a continuação da resposta: compreender o valioso conteúdo deste texto (também), sem no entanto, me furtar a crer no sem número de informações complementares que se perderam através dos tempos, documentos tais, ou sabedorias igualmente milenares passíveis de respeito, consciência e reverência, na intenção reta de nos ajudar no aperfeiçoamento do ser, na compreensão e no resgate do sagrado feminino, tolhido ou mutilado, esquecido ou trancafiado atrás de seculares muralhas reais ou não, em santuários de conhecimento e poder ou nos mais simples casebres e cabanas, do mundo inteiro, na espera da ressurreição em benefício da vida integral.
Neste breve relato ou manifesto, expresso minha gratidão aos incansáveis buscadores de consciência, em sonho ou verdade, antropólogos de alma, homens e mulheres, estudiosos à sós ou em grupo, que doam suas vidas à compreensão e ao contato com a sabedoria divina. Sabedoria que, unindo, alma e coração, ultrapassa limites da fragilidade do corpo e da humana designação de fronteiras entre os povos para quem sabe, imprimir na própria história e na do universo, um contato de refinada grandeza, que alcança o espírito. Santo em profundidade. Além de todos nós. Que assim seja. Pois, no humano, ninguém possui o conhecimento em totalidade.
(Márcia Francisco)