(capa: aquarela do saudoso amigo Fernando Fiuza, arte eterna)
(orelha: reprodução de carta de Paulinho Pedra Azul)
(Texto de abertura)
“Li com atenção seus versos.
Você fala da natureza instável da mulher e eu me vejo pequeno para entender o universo feminino.
Diante do mundo da mulher, eu me recolho insignificante
perplexo e tentando apreender esses gritos que ecoam na floresta interior.
Vigília, calmaria, silêncio e solidão
se transformam em desejo e prática de convivência e amor.
Vocês são, você é
poesia em estado de cio diante da vida e dos homens (nós, esses coitados)
Um beijo do Fernando Brant.”
(Fernando Brant, 29 de agosto de 2002 – sobre leitura de Travessia dos Tempos)
travessia dos tempos
Sonoridade
Vou te amar
com toda música
que houver em meu coração.
Os sete anjinhos e você
Mergulho nos fragmentos
Do que restou em meus pensamentos
Das profundezas das águas
límpidas, por vezes, turvas
surge o primeiro anjo
Sua auréola se abre em círculos duplos
que lado a lado, completam seu sorriso
Próximo à superfície,
o segundo anjo se faz perceber
num vôo rasante sobre as águas lívidas
nuvens margeam o meu rio
E, saltitante, o terceiro anjo aparece por ali
Seus olhos me olham, ressabiados
e ele se oculta, enquanto,
tímido, convoca seu parceiro,
amigo das dúvidas:
o quarto anjinho.
Este, se senta à beira
E mostra a leveza do outro que passa.
Uma anjinha!!!
Nossa! Como é leve o seu voar.
Mas, como breve é seu toque
ainda não ensinou a tocar.
Cinco sonhos e um olhar.
E trêmulas, minhas águas
se ocultam em ondas descontínuas
Rindo, o outro surfa por ali...
No meio de “música, artes e novos talentos”
que inspiram...
e piram...
Sereno
um sétimo anjinho silencia
e acalma suave
um mar, que anoitece
misterioso e múltiplo
nas cores únicas de suas águas,
transparentes.
Durmo.
Sussurro
No cair da madrugada
Ecoam vozes
Que sussurram amores
Todos teus
Intensos e tranquilos
Feliz
O meu amor é assim
Sem promessas de amor
Alguns desejos ocultos
Uma vontade de amar
Uma vontade de tocar
E me encontrar
Perdida em teus braços
Estações
Do meu coração
Abrem-se
Verões, outonos
E primaveras de viver
E eternos invernos
A te procurar
Distâncias
Sexta-feira numa cidade grande
Meu coração ainda pulsa
Uma inspiração de terça
Ano bom
O calendário na parede,
Novo, não virou meu coração
Deu meia noite
E bem que fiz uma oração
Manhã chegou
Lembrei seus olhos
Na hora do abraço
Olhei a chuva
E comi pão
Com geléia de amora!
Celestial
Oh! Sim!
Ainda amo
Calada
Olho as asas do meu anjo!
Me deu as costas, olha!
E riu, matreiro, atrás do arbusto
Quase me convenceu
Com sua mentira oculta
Que não amava
Agora, me põe no colo
Afaga meus cabelos
Me ensina o tato
Depois roça minha pele
E me dá um beliscão
Dor: aprendo o sentimento
Beija a minha boca com gotas de vinho tinto
Que despeja nos meus lábios
Paladar
Meu anjo caminhou sob a lua cheia
E, suado, trouxe cheiro de mato no peito
Ofegante
Despertou meu olfato
Depois sussurrou no meu ouvido
Umas palavras loucas de delícia
Mas disse não saber amar.
Ouvi.
Dolores
Dor em si menor
Lágrima em lenços de papel
Flores em vaso de cristal
Peixes em lago incolor
Mortal
Um sentimento confuso
Chama e afasta
A fala corta e abraça
A língua insana derrama
O veneno
Veneno
As más línguas
Aquecem
o caldeirão
do desnecessário.
Ausência
No tempo da espera
Reina a poesia
Do lugar
Onde se falou de amor
Paira o toque suave
Da canção interrompida
Nova estação
Falhas incidem sobre nossos encontros
Desencontros delineiam um novo tempo
Peregrinação
Fronteiras não limitam meus pensamentos
Abro caminhos no espaço sideral
E encontro você em passeio silencioso
Caminhando em praça estrangeira
Oblíquo
Tenho medo de nós
Tão perto e tão distantes!
Medida
Tudo o que é demais
impõe seus próprios limites
Folha em branco
Hoje é o dia do desencontro
E, sozinha, nem a mim encontro
Lágrima não há
Pois, tarda, até mesmo, a minha poesia
Eclipse
O sol
Bate a minha porta
Trancada
Com chaves de algodão
Entra, invade
Queima
Prepara a pele
Para um novo verão
O amor
Dócil fantasia
Verdade frágil
A libertar meu coração
Se sabes
O que afinal pressinto
Não venhas
Acalentar-me a ilusão
Só peço
Que voltes para o seu mundo
Como a chuva
Depois do sol de verão
Despedida
Desenho
Feito a giz de cêra
No jardim de infância –
Coberto de preto
O menino correu prado adentro
Colheu alfaces e rabanetes
Depois dormiu sob o abacateiro
Que deu fruto temporão
E caiu
No chão.
Desvelo
A solidão atravessa
com lança ferrugem
O inesperado
O futuro é vazio e desvela
a vastidão oca.
O verso abrevia o silêncio
Longa espera
Travessia dos tempos
Pedra na fruta
que pára o broto
Na escuridão da terra
Chão abaixo
Desabafo
Dei para deitar-me sobre mim
Nas muitas tardes sem você
Meu corpo se contorce em ais
Sufocados de silêncio
Num ponto, minha mão se retorce
Na lembrança da exata medida
Que completa meu corpo
Habita meu peito
Meu fogo arde em chamas
Na turbulência desejada
De suas águas em cachoeira
Que antes me inundavam
Corpo e alma
Freme nas ancas a liberdade
Paira no sono o sonho
Pára no dia o desejo
Aguarda no tempo
O intocável
Em voto de reclusão
Devolvo a abstinência
Como forma de aproximação
Não porque quero, como sabe
Meu corpo cede ao impulso
E sólido, atua no seu
Dos pés ao céu
A energia do nosso encontro
No centro da terra
O rasgo da sua ausência
(que não sofre: se talha em ôco)
Presença tão terna
Que lúcida permeia meus caminhos
- Vislumbre de amor
(hoje o meu é seu)
e convivência -
Translúcida define os seus
Transforma os meus
Renega os seus
Adia o sol
Formata o breu
Sem mesmo rumo, segue o seu.
ROMPIMENTO
Arrancou da alma
A calmaria
Calou em prosa
O verso
SILÊNCIO
Coração miúdo
Telefone mudo
(PRESERVAR)
Ouvir
Silenciar
Concordar
Morrer?
Marinha
Meus olhos já não mais se encantam
com sentinelas lívidas
flutuando firmes em um barco circular
BREVIDADE:
passou!
Vigília
Você deve ouvir
o silêncio dos corredores
para saber onde
construir o seu castelo
Para sempre
Rapunzel
Jogue fora suas tranças
Sai da janela e vem viver
Cuida do cabelo
Cuida do brilho dos olhos
Mas lembra da janela, Rapunzel
A vida precisa do mistério
A vida precisa do sorriso, Rapunzel!
Porto inseguro
Olhar fixo e destreza estática
Chuva mansa deslizando nas janelas
A mãe derrete goiabada caseira em um microondas
Depois acende dezenas de velas no santuário da cidade
A pele mais escura já inspira a metamorfose
Poeta morto ressurge em esperanças estaleiras
De terra firme navio novo se constrói
São menores as âncoras
Há que deixar a baía.
Lucidez
As respostas só não são dadas
àqueles que desprezam a consciência
Essência
O que nos mantém vivos
É a respiração
Ela é como um fio
Que nos liga ao umbigo de Deus
Tambor
Meu coração bate forte
Quando te vê
Meu coração bate calmo
Quando te quer
Presença
Sua luz é terra, vermelho que invade,
Mas, sempre pede licença,
Marrom pedaço de canela
Sobre um tiramissu.
Azul
Meu verso não ousa rimas
transforma o tom
Fica no bom,
tranquilo
e leve
Suave som de
Silêncio.
Atemporal
Para nada é preciso ter pressa
Há tempo para tudo
Se há tempo para o sonho,
Há tempo para a realização
E se houve tempo para a espera
Há tempo para o conhecimento
A arte do encontro
Pleno
A íntima ceia
Doze mulheres de mãos dadas dançam nuas em torno de uma fogueira.
Nas mãos das doze, doze gravetos riscam o ar com chamas reluzentes.
Elas dançam e pedem pelo bem de sua tribo.
Elas cantam e afastam os maus espíritos.
Na mata, um clarão se abre em luz ofuscante.
Uma lebre cruza a estrada na escuridão.
Da luz, sobem duas asas brancas.
Da roda, se ouve o som das sete gerações precedentes.
Na tenda a oitava dá a luz à próxima.
O fogo, em brasa se desfaz.
A madrugada silencia os sons.
O feminino reina no silêncio em oração.
As doze mulheres se sentam, entreolham-se e fecham os olhos do corpo.
Uma coroa de doze luzes cintila.
É o cerne do espírito que fortalece a humanidade.
Esse ritual se fez necessário para dissolver as trevas que reinavam no infinito.
Transportar as dores na cruz da absolvição.
Um perfume de lótus invade a manhã que surge com o sol.
As mulheres despertam do sono e seguem seus afazeres.
É dia e elas lavam, no rio, as roupas de seus maridos.
Cio
Natureza instável a da mulher
Dia ri, outro se não chora,
Silencia
De volta ao self ou em busca de respostas
no infinito,
Cresce em conhecimento.
Lobo que cuida da matilha
e se afasta para buscar o alimento
A mulher sacia sua alma
com o pão da convivência ou a presa da solidão.
Se busca eufórica a essência do som,
Dorme o sono de uvas frescas
a se esquecerem na manhã de reclusão
Doce sentimento proibido que
alerta os sentidos
e se consome para encontrar a sabedoria.
Sábia, a mulher se cala
Em gritos que ecoam na floresta interior.
Quem for lobo, encontra a matilha
E dança sob a lua, que já é cheia atrás das nuvens.
É noite.
Novilhos dormem inocentes na mata
Virgem.
Presente
Atente:
Não perca o instante
A ilusão da linha do tempo
Desnorteia nosso pensamento.
É vertical
O cordão umbilical
Que nos liga a Deus
Passado não há
Nem futuro
Somos agora
Tão somente
Estamos.
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